domingo, 25 de julho de 2010

Poesia Eterna

Alexandre O'Neill

Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa! 






Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


António Gedeão

sábado, 10 de julho de 2010

Para a minha neta Catarina



O Berlinde

Era uma vez uma pomba
Sem um ninho, sem um pombal,
Era branca como a Lua
E os seus olhos de cristal.

Era uma vez uma pomba
Que não sabia chorar:
O seu choro trrru… trrru…
Era um modo de cantar.

Era uma vez uma pomba
Que noite e dia voava:
Fosse noite, fosse dia,
Nunca a pomba descansava.

Era uma vez uma pomba
Que nos céus, longe, voava,
Seu coração um berlinde
Grande segredo guardava.

Era uma pomba tão estranha
Que voava noite e dia:
Quanto mais alto voava
Mais da terra ela se via.

Era uma vez uma pomba
Com penas de seda real:
Era uma pomba do Mundo
Com seus olhos de cristal.

Seu coração um berlinde
De vidros de sete cores,
Que do sol tinha o brilhar,
Um espelhinho de mil flores.

Um dia longe nos céus,
Viu um menino a chorar
Sentadinho sobre um monte,
Numa noite de nevar.

Não era branco nem negro
Assim na neve o menino,
Seu chorar era triste,
Tornava-o mais pequenino.

E a pomba logo o viu
Com seus olhos de cristal:
Logo desceu para o monte
– Era aquele o seu pombal.

Poisou nas mãos do menino
Com seu corpo, seu calor:
Mãos por debaixo da neve,
Ninguém lhes sabia a cor.


Dorme, dorme, meu menino…
Branco ou negro tanto faz:
Meu coração é um berlinde,
Tem o segredo da Paz.

E o menino já ria,
Podia dormir sem medo,
Sonhava com o berlinde,
Coração feito brinquedo.

Há quem diga que uma estrela
Fugiu do céu a correr,
Atravessou todo o mundo
Para o segredo dizer.

Escutaram-na os meninos,
Têm um berlinde na mão:
Seja noite de Natal,
Seja noite de S.João.

Matilde Rosa Araújo