quarta-feira, 30 de junho de 2010

PINA BAUSCH . Um ano depois ...


 
 
"Pina Bausch - Ensaio Biográfico", com chancela da editora D. Quixote, vai ser apresentado dia 30 de junho, às 18:30, no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, no âmbito de um tributo à coreógrafa alemã falecida há um ano.
"Senti que tinha chegado o momento de partilhar num livro a minha paixão pela obra dela e tudo o que recolhi na pesquisa que tenho vindo a fazer desde que descobri o seu trabalho", explicou, em declarações à agência Lusa, a jornalista e crítica de dança.
Falecida em 2009, aos 68 anos, Pina Bausch deixou um legado singular na história da dança, que também passou por Portugal, onde criou a peça "Masurca Fogo", inspirada em Lisboa, a convite da Expo98.
A paixão de Claudia Galhós, 38 anos, pela criadora começou quando ainda era jornalista da revista Blitz, mas evidenciou-se em 2008, quando se realizou o Festival Pina Bausch, em Lisboa: "Percebi então que o fascínio não era só meu", apontou, referindo-se à grande afluência de público nos espetáculos.
No livro estão reunidas entrevistas a várias pessoas que a conheceram como Jorge Salavisa, quando era ainda diretor do São Luiz, que acolheu vários espetáculos de Pina Bausch, Gil Mendo e João Penalva, entre outros.
Claudia Galhós também entrevistou a coreógrafa alemã em várias ocasiões que constituíram momentos únicos: "Nas primeiras entrevistas presenciais ela falava muito pouco, havia muitos silêncios e olhares suspensos", recorda sobre uma personalidade que ainda hoje é considerada "enigmática e misteriosa" por muitas pessoas que a conheceram.
"A comunicação verbal nunca foi o forte de Pina Bausch, mas mesmo assim ela foi melhorando com o tempo. E isso nota-se também nos espetáculos que foi fazendo", observou.
Na opinião da jornalista, há muitas visões possíveis sobre a obra da coreógrafa e a sua personalidade, mas, destaca, o mais importante foi que ela chamou a atenção para uma certa forma de fazer esta arte, ao "ver mais, ouvir mais e sentir mais".
Não acredita que Pina Bausch tenha trazido algo de totalmente novo para a dança: "Foi sobretudo um catalizador de espíritos do tempo, de certas sensibilidades, de mudanças que já estavam a acontecer e que ela conseguiu dar sentido e iluminar de forma única", concluiu.
No dia 30 de junho, o São Luiz presta homenagem a Pina Bausch exibindo também um filme encomendado ao realizador João Salaviza, intitulado "Hotel Müller", inspirado na emblemática peça de Pina Bausch "Café Müller", e com uma conversa entre personalidades que a conheceram como António Mega Ferreira, Fernando Lopes, José Sasportes e Luísa Taveira.
Lusa/SOL

domingo, 27 de junho de 2010

Poesia Iraniana





AMOR PERDIDO
por Cameron A. Batmanghlich


Na batida do coração
Em um sorriso
Num beijo na face
Num olhar repleto de paixão mas disfarçado em amizade
________________ O amor foi perdido

Aguardando o trem numa plataforma
No som estridente do alto-falante anunciando a tua partida
Em palavras que não puderam ser ditas … hesitantes na garganta, sufocando você
Em mãos que estavam ao alcance e que tocaram mas que não ousaram em segurar
_____________ A vida a dois foi perdida

Os sorrisos e os sons risonhos dos pequeninos correndo … meninas e meninos
O cordão umbilical que seria cortado
A primeira noite carregando o primogênito
A união que nunca aconteceu
________ Crianças não nascidas foram perdidas

Nenhum manjericão fresco para dividir em nossa pasta
Nenhum café fresco para tomar enquanto nus na cama
Nenhum cigarro para compartilhar boca-a-boca
Nenhum vinho vermelho e temperado para beber e vê-la espirrar
________ E assim … aromas e sabores também se perdem

De caminhar pelo estacionamento pintando as folhas coloridas sobre a verde grama no outono
Em sentar sob o sol e alimentar os peixes na água
De brincar de pegar na praia
Em contar os beijos e suspiros com ela deitada tão próxima a mim plena de tranquilidade
____________ Prazeres foram perdidos

O som do suspiro dela
Os ritmos, que nos fazem dançar
Os lençóis desarrumando quando ela, no meio da noite, muda de lado
Suas preces
__________________ Sons foram perdidos

E se eu tivesse falado para ela?
E se eu tivesse ficado?
E se eu tivesse tido coragem?
E se ELA tivesse tido coragem?
_______________ E então?

Como as folhas que caem das árvores numa manhã luminosa de Outubro
Os anos retiraram-se do tempo que a minha vida ainda tem
E os lugares que desconheço
Os ‘se’ surgem dos confins de minha memória, balançam suas cabeças e estalam suas línguas e olham para mim com piedade! Como se dissessem … tudo o que você precisava ter tido era coragem.
__________________ E então?

Estranho … um momento de hesitação pode nulificar toda uma vida
Um coração valente pode mudar o curso de toda uma vida
Tantas perdas
Sem mais ‘se’, sem mais ‘mas’

______________ Melhor amar e perder do que de todo não amar.

domingo, 20 de junho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Um dia branco"



 
Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber.
Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 13 de junho de 2010

 

 Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.


Clarice Lispector

quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Doce Abandono" de José Carlos Rodrigues

 


















Como é doce quando me entrego
Completo, ao Teu Amor
Como é doce se não renego,
Qualquer gesto do Teu Louvor.

Entrego, Abandono
Todo o meu sentido de ser,
E fico, desprotegido, afável
Como barro moldável,
A amolecer!

Quando me entrego,
Me abandono
De tal jeito,
Em tuas mãos.
Vem o retorno,
Amor aos grãos,
Que me enche o peito,
No coração.

Quando me entrego,
Me abandono,
Estando já no ponto,
Vem a doçura,
Vem o sono,
Melado, suave
Que me põe tonto.

Somente,
Depois, suavemente
Em marcha lenta,
Amorosamente,
Sobe a chama, que esquenta,
Devagarinho
Bem de mansinho,
E me preenche, totalmente.

Quando me entrego,
Me abandono,
Gemendo, com prazer,
Em êxtase brilhante, misticamente,
Sinto o Amor vencer,
Em todo o Ser, completamente.

Quando me entrego,
Abandono-me
Desligo-me,
De tudo, alegremente,
Ficando apenas a Viver,
Intensamente,
Uno a Ti,
Já sem mim,
Vertiginosamente,
A Ser.

Retirado do Spiritus Site
r

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Saturação da Servidão

                                         
Hoje estão em causa, não as paradas, que é tudo em que as multidões são adestradas, ou a guerra, a que se convidam; está em causa toda uma dinâmica nova para criar o habitat duma humanidade que atingiu a saturação da servidão, depois de há milénios ter dado o passo da reflexão. As pessoas interrogam-se em tudo quanto vivem. A saturação da servidão não é uma revolta; é um sentimento de desapego imenso quanto aos princípios que amaram, os deuses a que se curvaram, os homens que exaltaram. (...) Mas foi crescendo a saturação da servidão, porque a alma humana cresceu também, tornou-se capaz de ser amada espontaneamente; tudo o que servimos era o intermediário do nosso amor pelo que em absoluto nós somos. Serviram-se valores porque neles se representava a aparência duma qualidade, como a beleza, o saber, a força; esses valores estão agora saturados, demolidos pela revelação da verdade de que tudo é concedido ao corpo moral da humanidade e não ao seu executor.
Um grande terror sucede à saturação da servidão. Receamos essa motivação nova que é a nossa vontade, a nossa fé sem justificação a não ser estarmos presentes num imenso espaço que não é povoado pela mitologia de coisa alguma. Somos novos na nossa velha aspiração: a liberdade é doce para os que a esperam; quando ela for um facto para toda a gente, damos-lhe outro nome.

Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'


Sociedade do Desperdício
                                         

Uma tentação imediata do nosso tempo é o desperdício. Não é só resultado duma invenção constante da oferta que leva ao apetite do consumo, como é, sobretudo, uma forma de aristocracia técnica. O tecnocrata, novo aristocrata da inteligência artificial, dos números e dos computadores, propõe uma sociedade de dissipação. Propõe-na na medida em que favorece os métodos de maior rendimento e a rapina dos recursos naturais. As hormonas que fazem crescer uma vitela em três meses, as árvores que dão fruto três vezes por ano, tudo obriga a natureza a render mais. Para quê? Para que os alimentos se amontoem nas lixeiras e os desperdícios de cozinha ou de vestuário sirvam afinal para descrever o bluff da produtividade.



Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'