domingo, 17 de junho de 2012
Poema em linha recta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão - princípe - todos eles princípes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?
Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
SÃO GONÇALVES, in COMO UM RIO, COMME UN FLEUVE, livro de Poesia bilingue (Pastelaria Studios, a publicar em 12 /05/2012)
Às vezes a minha alma é uma nuvem perdida no céu azul que me abraça
e meu corpo ramos frágeis nas raízes do meu caminhar.
Se soubesses como são gelados os ventos do norte que me beijam devagar
São brisas agrestes ferindo meus sonhos expostos ao tempo.
Às vezes sou a fragilidade perdida na imensidão do espaço
outras ,a coragem, a força
vinda do passado olhando o horizonte
corpo banhado nas profundezas
de um céu por inventar.
Às vezes sou como um rio descendo as encostas
num lento desbravar.
Águas furiosas de desventura...
E outras sou como um leito de águas doces deslizando nas planícies já muito perto do mar.
Às vezes a minha alma é uma nuvem perdida no céu azul que me abraça
e meu corpo ramos frágeis nas raízes do meu caminhar.
Se soubesses como são gelados os ventos do norte que me beijam devagar
São brisas agrestes ferindo meus sonhos expostos ao tempo.
Às vezes sou a fragilidade perdida na imensidão do espaço
outras ,a coragem, a força
vinda do passado olhando o horizonte
corpo banhado nas profundezas
de um céu por inventar.
Às vezes sou como um rio descendo as encostas
num lento desbravar.
Águas furiosas de desventura...
E outras sou como um leito de águas doces deslizando nas planícies já muito perto do mar.
ANTÓNIO GIL, in OBRA AO RUBRO (Lua de Marfim, 2012)
Se a solidão se materializa até se tornar um corpo
ffamiliar, o mínimo contacto com a pele basta para que os
lençóis se ericem, transubstanciando seus vincos em
crispadas lâminas de gelo(vai e percorre célere o parque desertado abraçando,
demorado, as árvores que saibam e te queiram dar
notícias do sol…)
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