sexta-feira, 26 de março de 2010

Milan Kundera

"Acordou e viu que estava sozinha em casa.

Saiu e dirigiu-se para os cais. Queria ver o Vltava. Queria ir para a beira do rio olhar para a água porque a água a correr acalma e cura. O rio corre de século para século e as histórias dos homens desenrolam-se nas suas margens. Amanhã ninguém se lembrará delas e, por sua causa, o rio não deixará nunca de correr. "

in "A Insustentável Leveza do Ser"

quinta-feira, 25 de março de 2010

"Viver a vida do outro"



Ninguém vive só, mas é preciso ter noção de limites e saber amadurecer também nossa individualidade. Esse equilíbrio nos resguarda energeticamente e nos recarrega. Quem cuida da vida do outro, sofrendo seus problemas e interferindo mais do que é recomendável, acaba não tendo energia para construir sua própria vida. O único prêmio, nesse caso, é a frustração.

- Fraternidade Luz do Amanhã -

segunda-feira, 1 de março de 2010

O deserto inominável


O deserto é um silêncio depois do mar,

É o êxtase da luz sobre o coração da areia.

Vai-se e volta-se e nada se esquece.

Tudo se oculta para depois se dar a ver

No ponto em que os ventos se cruzam

E as almas gritam no fundo dos poços.

Os cestos sobem e descem prometendo água,

Uma frescura que derrete a febre.

Não são as tâmaras que adoçam a boca,

É a beleza das mulheres dissimulando

O desejo como um pecado sob a escuridão dos véus.

As serpentes assobiam ou cantam

Conforme o veneno que lhes molda o sangue.

Enroscam-se sobre as pedras

como fragmentos de lua à espera da manhã.

E a sombra alonga-se nas dunas

Ondulando rente às palmeiras

Como a última cobra do medo das crianças.

Não há ruído maior que este silêncio

Que se serve com tâmaras e com chá

Na mesa rasteira, sobre a terra molhada.

É no que não se nomeia que está o infinito.


José Jorge Letria

Os Mares Interiores

Lisboa, Teorema, 2001