O deserto inominável
O deserto é um silêncio depois do mar,
É o êxtase da luz sobre o coração da areia.
Vai-se e volta-se e nada se esquece.
Tudo se oculta para depois se dar a ver
No ponto em que os ventos se cruzam
E as almas gritam no fundo dos poços.
Os cestos sobem e descem prometendo água,
Uma frescura que derrete a febre.
Uma frescura que derrete a febre.
Não são as tâmaras que adoçam a boca,
É a beleza das mulheres dissimulando
O desejo como um pecado sob a escuridão dos véus.
As serpentes assobiam ou cantam
Conforme o veneno que lhes molda o sangue.
Enroscam-se sobre as pedras
como fragmentos de lua à espera da manhã.
E a sombra alonga-se nas dunas
Ondulando rente às palmeiras
Como a última cobra do medo das crianças.
Não há ruído maior que este silêncio
Que se serve com tâmaras e com chá
Na mesa rasteira, sobre a terra molhada.
É no que não se nomeia que está o infinito.
José Jorge Letria
Os Mares Interiores
Lisboa, Teorema, 2001
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