segunda-feira, 1 de março de 2010

O deserto inominável


O deserto é um silêncio depois do mar,

É o êxtase da luz sobre o coração da areia.

Vai-se e volta-se e nada se esquece.

Tudo se oculta para depois se dar a ver

No ponto em que os ventos se cruzam

E as almas gritam no fundo dos poços.

Os cestos sobem e descem prometendo água,

Uma frescura que derrete a febre.

Não são as tâmaras que adoçam a boca,

É a beleza das mulheres dissimulando

O desejo como um pecado sob a escuridão dos véus.

As serpentes assobiam ou cantam

Conforme o veneno que lhes molda o sangue.

Enroscam-se sobre as pedras

como fragmentos de lua à espera da manhã.

E a sombra alonga-se nas dunas

Ondulando rente às palmeiras

Como a última cobra do medo das crianças.

Não há ruído maior que este silêncio

Que se serve com tâmaras e com chá

Na mesa rasteira, sobre a terra molhada.

É no que não se nomeia que está o infinito.


José Jorge Letria

Os Mares Interiores

Lisboa, Teorema, 2001



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