quinta-feira, 22 de outubro de 2009

RETRATOS DA FAIXA DE GAZA






“As lágrimas de Allam”


Depois de um dia inteiro de reportagem, um simples encontro no elevador alterou-me os planos em relação ao que pretendia escrever. Allam, um jovem palestiniano empregado no hotel onde durmo, desatou a chorar à minha frente.

Não sei a idade de Allam, mas sei que já tem muitos anos de desespero. O encontro casual dá-se no elevador do hotel. Uma pergunta simples (de onde é?) abre a porta à conversa. "Portugal, muito longe não é?", respondo. "É tudo demasiado longe, não posso sair daqui", responde Allam.

Depois conta que antes do Hamas vencer as eleições de 2006 trabalhava como carpinteiro em Israel e recebia 7 mil Shekel (cerca de mil e 400 Euros) por mês; agora recebe mil. "Era bom, podia comprar tudo o que precisava, agora não". Diz-me que não pode casar e começa a chorar. Allam tenta controlar o choro, mas percebo que está a exteriorizar muita raiva e frustração acumuladas. A frustração de não ter futuro; a frustração de não ter esperança; a frustração de não perceber o motivo para lhe fazerem isto.

Estou sem saber o que fazer ao ver este palestiniano corpulento e jovem a chorar à minha frente. Allam desdobrou-se em desculpas: "Desculpe, mas às vezes temos de chorar"! Travada a convulsão do choro, as lágrimas teimaram em continuar e Allam ia passando disfarçadamente as mãos nos olhos. Diz que não é da Fatah, não é do Hamas, apenas quer viver. Diz que se tivesse nascido na Cisjordânia ainda poderia sair para outros países, mas quem nasceu em Gaza não tem essa sorte.

Tento devolver-lhe a esperança, que deve ser forte, que pode ser que desta vez seja encontrada uma solução para que Gaza deixe de ser esta imensa prisão ao ar livre.

E do que me serve estar a dizer a Allam que se eu pudesse faria alguma coisa para mudar tudo isto? Allam está farto de palavras, apenas quer viver. Algo tão simples e que toda a vida lhe tem sido negado.

Quantos Allam existem em Gaza que não têm a coragem de chorar no ombro do estrangeiro desconhecido? Quanta raiva acumulada? Quanta desesperança? E a chamada "comunidade internacional" faz o quê? Espera que tudo isto descambe em mais radicalismo, em mais revolta, em mais guerra? O que pode fazer um jovem a quem fecham todas as portas?

Por : José Manuel Rosendo/Antena 1/RTP

- Infelizmente os jovens vêem as portas fechar-se mesmo em países onde há "paz"e "liberdade", perante a passividade dos "bons" governantes!
Universalista

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