sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pelo mundo...



A veces sueño que vuelo

Que abro las asas y me escapo
De la gente que quiere
Encerrarme
Quiero poder volar para
No gastar más plata en pasaje
Para tocar las ballenas desde arriba
Para jugar en el aire
Y dar giros, ángel y libre

Victor, 10 años, poeta



Os pequenos saltimbancos - Montañita, Equador - América do Sul

Num fim de tarde em Montañita, uma pequena aldeia costeira no sul do Equador, conheci dois miúdos com pouco mais de 10 anos que estavam a fazer um espectáculo de malabarismos em monociclos, para grande entusiasmo do público que os observava, levantando a poeira da rua por entre saltos e palmas.


Juan, de 10 anos, e Eduardo, de 12, na velha tradição dos saltimbancos percorrem o Equador com os seus números de malabarismo e equilibrismo.


Filhos de dois artistas de rua, vivem sozinhos há 5 anos, altura em que, numa tarde de verão, os seus pais os abandonaram.


Estavam todos na Plaza de Santo Domingo, em Quito, junto à igreja, quando chegou a vez dos dois fazerem a sua parte. À medida que o número ia progredindo, os seus pais foram-se afastando sem que eles reparassem. Ao terminar, enquanto as pessoas dispersavam, e o chapéu se ia enchendo de moedas, reparam pela primeira vez na ausência dos pais.

Deixaram-se ficar pela praça à espera, percorrendo com os seus pequenos olhos cada passagem, cada rua e cada milímetro que os rodeava. Foram-se passando horas. Os pássaros calaram-se à medida que o dia se transformava em noite. O pequeno estômago do Juan foi apertando e, ao vigésimo rugido de fome, Eduardo juntou o dinheiro que tinham feito e foram juntos até um comedor, uma tasca equatoriana.


Dormiram na praça ao relento nesse dia, e no a seguir também. Ficaram lá uma semana antes de se decidirem a fazer à estrada.


Não sabemos o que lhes aconteceu mas ainda temos esperança de os encontrar na estrada, diz Juan enquanto arruma as maças e o seu monociclo.


Não param mais do que duas semanas em cada sítio e sempre que vão a Quito actuam na Plaza de Santo Domingo.


Apesar da idade, tal como muitos equatorianos que vivem na miséria devido ao estado económico do país, dormem onde calha e comem quando podem.


Recebemos mais que os outros por sermos tão novos, diz Eduardo. Mas às vezes é difícil, especialmente quando estão em viagem ou quando está a chover e as oportunidades de montarem o seu show são escassas..


No final da actuação, Juan deita-se no chão e Eduardo salta com o monociclo por cima de cada braço e perna, lentamente, e sempre aumentando a espectativa do público. Por fim, no clímax do seu número, ele salta-lhe por cima da cabeça, passando com a roda a escassos milímetros do seu nariz.


É a distância que os separa a cada dia da miséria e da fome mas ambos se mantêm optimistas e por enquanto, ainda não desistiram de encontrar os seus pais.


Hoje estamos bem, amanha logo se vê. Olham os dois para mim a rir-se e contagiam-me com optimismo.

Ricardo Lemos, Jornal Notícias

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