quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Para este Natal


"Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível. " (São Francisco de Assis)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Angelus - Imaculada Conceição


"O mistério da Imaculada Conceição é fonte de luz interior, de esperança e de conforto. Em meio às provas da vida e especialmente das contradições que o homem experimenta dentro de si e em torno a si, Maria, Mãe de Cristo, diz-nos que a Graça é maior que o pecado, que a misericórdia de Deus é mais poderosa que o mal e sabe transformá-lo em bem".

 Papa  Bento XVI

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

CALVÁRIO

                                                              

                                                              « Quem vive aqui?»

UMA SENHORA

Uma senhora passou casualmente por estes lados. Atraída pela Capela original e pelo verde abundante que a rodeia, entrou em nossa Casa por curiosidade.
- Quem vive aqui? – Perguntou-me.
Fui-lhe então revelando a finalidade do Calvário.
E sem mais perguntas, voltando-se para ela, começou por dizer que era consagrada e já vivera num Instituto religioso. Esteve em África, onde exerceu uma actividade gratificante junto das populações daquele continente. Voltou e foi directora dum lar de idosos. Prosseguiu, dizendo que tem jeito e qualidades para lidar com pessoas doentes e de idade. Presentemente trabalha na promoção de equipamentos de saúde e concluiu parecer-lhe talhada para este nosso viver.
Mas, toda esta bagagem de conhecimentos, de competências e andanças, é demasiado pesada para esta nossa carruagem.
Um dos desejos humanos mais natural é ser-se admirado. Muita gente anda, hoje, com um curriculum debaixo do braço, distribuindo-o. Nada fizeram, por vezes, mas têm cursos, estágios, frequência em acções de formação. E vão-se apresentando com tudo isto para causar admiração e naturalmente colocação.
Uns gostam de ser apreciados pelo que são ou julgam ser, outros pelo que fazem de bem e até de mal.
Ora, aqueles que sentem à sua volta uma onda de amor, de compreensão e de estima, não sentem necessidade de ser admirados, porque já o são antes de o desejarem ser.
Os nossos doentes gostam que admiremos, não o que são – coitados deles – mas aquilo que vão fazendo. Sabem que são estimados e, por isso, não reclamam admiração pela sua pessoa. Só o desejam em relação ao que executam.
-Olhe, venha ver; já levantei da cama o Diamantino mais o Joaquim.
- Repare como está limpa a avenida.
- Já lavei a loiça toda.
- Gosta desta pega redonda?
E não param de mostrar o que fazem. Não apregoam o que são.
Com simplicidade, apresentam o que produzem. E assim é que está certo.
A competição é uma das marcas do nosso tempo. Todos querem ser mais, julgam ser maiores mostrando pergaminhos.
- Aprendei de Mim que sou manso e humilde – dizia Jesus.
Depois de fazer alguma cura Ele recomendava que o não dissessem a ninguém. E, quando pretenderam fazê-lO rei, escondeu-se nas montanhas. Era o Mestre.

Padre Baptista

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Meu guia, meu anjo, meu amigo (Poema de Fet)

Não estás tu aqui como uma imaterial sombra,
Meu espírito, meu anjo, meu amigo,
Conversando silenciosamente comigo
E silenciosamente pairando em volta?
À minha timidez tu conferes inspiração,
E docemente fazes o sofrimento desaparecer,
E concedes-me tranquilos sonhos,
Meu guia, meu anjo, meu amigo... Meu guia! Meu anjo! Meu amigo!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Mal-Entendidos

 
Autor: Dr.Nuno Lobo Antunes

Sinopse

Para compreender uma criança temos de voltar ao país das memórias, reviver o que ficou para trás, habitar de novo medos de que nos esquecemos. Olhar com olhos de espanto, chamar filha a uma boneca, e replicar o milagre da criação dando-lhe voz. Para a compreender temos de voltar a pele do avesso, reduzir a dimensão do corpo na medida inversa em que cresce o sentimento. Cada criança é uma história por contar. Por vezes o Capuchinho Vermelho perde-se no bosque e não há beijo que resgate a Bela Adormecida.
Para muitas crianças a sua história pode não terminar bem, e não viverem felizes para sempre.
Este livro destina-se a essas crianças e a quem delas cuida: Pais, Professores, Psicólogos ou Médicos, que querem que todas as histórias tenham um final feliz, e não deixam o Espelho Mágico dizer a nenhuma criança que há alguém mais belo do que ela.
Devem existir em Portugal cerca de 100.000 crianças com perturbações de desenvolvimento.- Nuno Lobo Antunes , In Introdução
Hoje mesmo, dia em que termino o meu livro, alguém começa uma história: as minhas filhas conheceram os professores e a Escola que as vai acolher. Sentados em cadeiras pequeninas, a minha mulher e eu sentíamos a insegurança de quem confia a outros o que tem de mais importante. De hoje em diante a Rosa e a Ana estão à mercê dos seus professores. Uma palavra mais agreste destruirá a confiança que nos seus poucos anos de existência conseguiram adquirir, um sorriso de incentivo e conquistam o mundo. As minhas filhas são frágeis, vulneráveis. Só nós lhes conhecemos as inseguranças, o texto para além do pretexto, a inquietação que duas pequeninas rugas verticais, ao lado dos olhos tão bem traduzem. Que olhem para elas como nós as vemos, quando à noite as vamos espreitar, e dormem tranquilas mas indefesas, não fossemos nós. E agora deixamo-las entregues a outrem, sem a certeza de que elas compreendam que não há alternativa para o primeiro passo que as fará “pessoas crescidas”. Será que ainda acreditam em nós depois de as deixarmos num universo estranho, actrizes de um filme de que desconhecem o guião? Ao pôr a Ana no escorrega, bati com a cabeça numa barra de ferro. Fez barulho, doeu. A Ana olhou para mim e nada disse. Minutos depois, quando nada o fazia prever, deu-me um beijo na testa, curativo de quem, quando for grande, quer ser médica de crianças. Querida Ana, já entendeu o mais importante dos remédios: penso húmido, adesivo que não mais descola, e que me deixará sarado para sempre, deste, e de outros traumatismos. Damos-lhes tantos beijos iguais. E no entanto eles não são o escudo que vai impedir desgostos, a troça de outros meninos, a mágoa por uma colega que disse: “não gosto de ti”. Como pudemos abandonar as filhas à sua sorte? Difícil aceitar que o seu destino, só em parte depende de nós. Professores, tomem bem conta das nossas filhas que nem sempre aquilo que parece é.

sábado, 11 de setembro de 2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010


Amor Pacífico e Fecundo

Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.

Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.

Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.

Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!

Poema de Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
                                                
" TEMOS DE NOS TRANSFORMAR, NAS NOSSAS VIDAS, NAS COISAS QUE ESCOLHEMOS EXPERIMENTAR COMO NOSSO MUNDO"

Se sentir é a forma que escolhemos, e se sentimos o tempo todo, estaremos também a escolher constantemente. Podemos sentir com convicção gratidão pela paz do nosso mundo, pois ela existe sempre algures. Podemos sentir gratidão pelo bem-estar dos nossos entes queridos e pelo nosso, porque somos curados e renovados em maior ou menor grau todos os dias.

Poderá ser exactamente isso que as versões em aramaico dos Evangelhos tentavam trasmitir às gerações vindouras através da linguagem que nos deixaram há cerca de 2000 anos. Poderá ser exactamente este o efeito descrito no texto Gnóstico do Evangelho perdido de Tomás: « Aquilo que tendes salvar-vos-á se o fizerdes emergir a partir de vós mesmos. Aquilo que não tendes dentro de vós matar-vos-á se não o tiverdes no vosso interior».

Embora a advertência seja breve, as suas implicações são poderosas. Através das palavras atribuídas ao Mestre Jesus, é-nos recordado que o poder de enformar as nossas vidas e o mundo vive dentro de nós sob a forma de uma capacidade que todos partilhamos."
Extraído do livro " A Matriz Divina" de Gregg Braden


segunda-feira, 23 de agosto de 2010


"Venham até à beira.
Podemos cair.
Venham até à beira.
É muito alto!
VENHAM ATÉ À BEIRA
E eles foram,
e ele empurrou-os,
e eles voaram.

Estas palavras proporcionam-nos um belo exemplo do poder que nos espera quando nos permitimos aventurar além dos limites de tudo o que sempre acreditámos ser verdade nas nossa vidas. Neste breve diálogo do poeta Cristopher Logue, um grupo de iniciados vê-se envolvido numa experiência muito diferente do que a que esperara. Em lugar de simplesmente se encontrarem na beira, os iniciados vêem-se, através dos encorajamentos do seu mestre, além dela, de uma forma ao mesmo tempo surpreendente e geradora de poder pessoal. É neste território desconhecido que fazem a experiência de si próprios de uma nova forma - e, através da sua descoberta, encontram uma nova liberdade."

In "A Matriz Divina" de Gregg Braden

domingo, 25 de julho de 2010

Poesia Eterna

Alexandre O'Neill

Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa! 






Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


António Gedeão

sábado, 10 de julho de 2010

Para a minha neta Catarina



O Berlinde

Era uma vez uma pomba
Sem um ninho, sem um pombal,
Era branca como a Lua
E os seus olhos de cristal.

Era uma vez uma pomba
Que não sabia chorar:
O seu choro trrru… trrru…
Era um modo de cantar.

Era uma vez uma pomba
Que noite e dia voava:
Fosse noite, fosse dia,
Nunca a pomba descansava.

Era uma vez uma pomba
Que nos céus, longe, voava,
Seu coração um berlinde
Grande segredo guardava.

Era uma pomba tão estranha
Que voava noite e dia:
Quanto mais alto voava
Mais da terra ela se via.

Era uma vez uma pomba
Com penas de seda real:
Era uma pomba do Mundo
Com seus olhos de cristal.

Seu coração um berlinde
De vidros de sete cores,
Que do sol tinha o brilhar,
Um espelhinho de mil flores.

Um dia longe nos céus,
Viu um menino a chorar
Sentadinho sobre um monte,
Numa noite de nevar.

Não era branco nem negro
Assim na neve o menino,
Seu chorar era triste,
Tornava-o mais pequenino.

E a pomba logo o viu
Com seus olhos de cristal:
Logo desceu para o monte
– Era aquele o seu pombal.

Poisou nas mãos do menino
Com seu corpo, seu calor:
Mãos por debaixo da neve,
Ninguém lhes sabia a cor.


Dorme, dorme, meu menino…
Branco ou negro tanto faz:
Meu coração é um berlinde,
Tem o segredo da Paz.

E o menino já ria,
Podia dormir sem medo,
Sonhava com o berlinde,
Coração feito brinquedo.

Há quem diga que uma estrela
Fugiu do céu a correr,
Atravessou todo o mundo
Para o segredo dizer.

Escutaram-na os meninos,
Têm um berlinde na mão:
Seja noite de Natal,
Seja noite de S.João.

Matilde Rosa Araújo

quarta-feira, 30 de junho de 2010

PINA BAUSCH . Um ano depois ...


 
 
"Pina Bausch - Ensaio Biográfico", com chancela da editora D. Quixote, vai ser apresentado dia 30 de junho, às 18:30, no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, no âmbito de um tributo à coreógrafa alemã falecida há um ano.
"Senti que tinha chegado o momento de partilhar num livro a minha paixão pela obra dela e tudo o que recolhi na pesquisa que tenho vindo a fazer desde que descobri o seu trabalho", explicou, em declarações à agência Lusa, a jornalista e crítica de dança.
Falecida em 2009, aos 68 anos, Pina Bausch deixou um legado singular na história da dança, que também passou por Portugal, onde criou a peça "Masurca Fogo", inspirada em Lisboa, a convite da Expo98.
A paixão de Claudia Galhós, 38 anos, pela criadora começou quando ainda era jornalista da revista Blitz, mas evidenciou-se em 2008, quando se realizou o Festival Pina Bausch, em Lisboa: "Percebi então que o fascínio não era só meu", apontou, referindo-se à grande afluência de público nos espetáculos.
No livro estão reunidas entrevistas a várias pessoas que a conheceram como Jorge Salavisa, quando era ainda diretor do São Luiz, que acolheu vários espetáculos de Pina Bausch, Gil Mendo e João Penalva, entre outros.
Claudia Galhós também entrevistou a coreógrafa alemã em várias ocasiões que constituíram momentos únicos: "Nas primeiras entrevistas presenciais ela falava muito pouco, havia muitos silêncios e olhares suspensos", recorda sobre uma personalidade que ainda hoje é considerada "enigmática e misteriosa" por muitas pessoas que a conheceram.
"A comunicação verbal nunca foi o forte de Pina Bausch, mas mesmo assim ela foi melhorando com o tempo. E isso nota-se também nos espetáculos que foi fazendo", observou.
Na opinião da jornalista, há muitas visões possíveis sobre a obra da coreógrafa e a sua personalidade, mas, destaca, o mais importante foi que ela chamou a atenção para uma certa forma de fazer esta arte, ao "ver mais, ouvir mais e sentir mais".
Não acredita que Pina Bausch tenha trazido algo de totalmente novo para a dança: "Foi sobretudo um catalizador de espíritos do tempo, de certas sensibilidades, de mudanças que já estavam a acontecer e que ela conseguiu dar sentido e iluminar de forma única", concluiu.
No dia 30 de junho, o São Luiz presta homenagem a Pina Bausch exibindo também um filme encomendado ao realizador João Salaviza, intitulado "Hotel Müller", inspirado na emblemática peça de Pina Bausch "Café Müller", e com uma conversa entre personalidades que a conheceram como António Mega Ferreira, Fernando Lopes, José Sasportes e Luísa Taveira.
Lusa/SOL

domingo, 27 de junho de 2010

Poesia Iraniana





AMOR PERDIDO
por Cameron A. Batmanghlich


Na batida do coração
Em um sorriso
Num beijo na face
Num olhar repleto de paixão mas disfarçado em amizade
________________ O amor foi perdido

Aguardando o trem numa plataforma
No som estridente do alto-falante anunciando a tua partida
Em palavras que não puderam ser ditas … hesitantes na garganta, sufocando você
Em mãos que estavam ao alcance e que tocaram mas que não ousaram em segurar
_____________ A vida a dois foi perdida

Os sorrisos e os sons risonhos dos pequeninos correndo … meninas e meninos
O cordão umbilical que seria cortado
A primeira noite carregando o primogênito
A união que nunca aconteceu
________ Crianças não nascidas foram perdidas

Nenhum manjericão fresco para dividir em nossa pasta
Nenhum café fresco para tomar enquanto nus na cama
Nenhum cigarro para compartilhar boca-a-boca
Nenhum vinho vermelho e temperado para beber e vê-la espirrar
________ E assim … aromas e sabores também se perdem

De caminhar pelo estacionamento pintando as folhas coloridas sobre a verde grama no outono
Em sentar sob o sol e alimentar os peixes na água
De brincar de pegar na praia
Em contar os beijos e suspiros com ela deitada tão próxima a mim plena de tranquilidade
____________ Prazeres foram perdidos

O som do suspiro dela
Os ritmos, que nos fazem dançar
Os lençóis desarrumando quando ela, no meio da noite, muda de lado
Suas preces
__________________ Sons foram perdidos

E se eu tivesse falado para ela?
E se eu tivesse ficado?
E se eu tivesse tido coragem?
E se ELA tivesse tido coragem?
_______________ E então?

Como as folhas que caem das árvores numa manhã luminosa de Outubro
Os anos retiraram-se do tempo que a minha vida ainda tem
E os lugares que desconheço
Os ‘se’ surgem dos confins de minha memória, balançam suas cabeças e estalam suas línguas e olham para mim com piedade! Como se dissessem … tudo o que você precisava ter tido era coragem.
__________________ E então?

Estranho … um momento de hesitação pode nulificar toda uma vida
Um coração valente pode mudar o curso de toda uma vida
Tantas perdas
Sem mais ‘se’, sem mais ‘mas’

______________ Melhor amar e perder do que de todo não amar.

domingo, 20 de junho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Um dia branco"



 
Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber.
Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 13 de junho de 2010

 

 Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.


Clarice Lispector

quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Doce Abandono" de José Carlos Rodrigues

 


















Como é doce quando me entrego
Completo, ao Teu Amor
Como é doce se não renego,
Qualquer gesto do Teu Louvor.

Entrego, Abandono
Todo o meu sentido de ser,
E fico, desprotegido, afável
Como barro moldável,
A amolecer!

Quando me entrego,
Me abandono
De tal jeito,
Em tuas mãos.
Vem o retorno,
Amor aos grãos,
Que me enche o peito,
No coração.

Quando me entrego,
Me abandono,
Estando já no ponto,
Vem a doçura,
Vem o sono,
Melado, suave
Que me põe tonto.

Somente,
Depois, suavemente
Em marcha lenta,
Amorosamente,
Sobe a chama, que esquenta,
Devagarinho
Bem de mansinho,
E me preenche, totalmente.

Quando me entrego,
Me abandono,
Gemendo, com prazer,
Em êxtase brilhante, misticamente,
Sinto o Amor vencer,
Em todo o Ser, completamente.

Quando me entrego,
Abandono-me
Desligo-me,
De tudo, alegremente,
Ficando apenas a Viver,
Intensamente,
Uno a Ti,
Já sem mim,
Vertiginosamente,
A Ser.

Retirado do Spiritus Site
r

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Saturação da Servidão

                                         
Hoje estão em causa, não as paradas, que é tudo em que as multidões são adestradas, ou a guerra, a que se convidam; está em causa toda uma dinâmica nova para criar o habitat duma humanidade que atingiu a saturação da servidão, depois de há milénios ter dado o passo da reflexão. As pessoas interrogam-se em tudo quanto vivem. A saturação da servidão não é uma revolta; é um sentimento de desapego imenso quanto aos princípios que amaram, os deuses a que se curvaram, os homens que exaltaram. (...) Mas foi crescendo a saturação da servidão, porque a alma humana cresceu também, tornou-se capaz de ser amada espontaneamente; tudo o que servimos era o intermediário do nosso amor pelo que em absoluto nós somos. Serviram-se valores porque neles se representava a aparência duma qualidade, como a beleza, o saber, a força; esses valores estão agora saturados, demolidos pela revelação da verdade de que tudo é concedido ao corpo moral da humanidade e não ao seu executor.
Um grande terror sucede à saturação da servidão. Receamos essa motivação nova que é a nossa vontade, a nossa fé sem justificação a não ser estarmos presentes num imenso espaço que não é povoado pela mitologia de coisa alguma. Somos novos na nossa velha aspiração: a liberdade é doce para os que a esperam; quando ela for um facto para toda a gente, damos-lhe outro nome.

Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'


Sociedade do Desperdício
                                         

Uma tentação imediata do nosso tempo é o desperdício. Não é só resultado duma invenção constante da oferta que leva ao apetite do consumo, como é, sobretudo, uma forma de aristocracia técnica. O tecnocrata, novo aristocrata da inteligência artificial, dos números e dos computadores, propõe uma sociedade de dissipação. Propõe-na na medida em que favorece os métodos de maior rendimento e a rapina dos recursos naturais. As hormonas que fazem crescer uma vitela em três meses, as árvores que dão fruto três vezes por ano, tudo obriga a natureza a render mais. Para quê? Para que os alimentos se amontoem nas lixeiras e os desperdícios de cozinha ou de vestuário sirvam afinal para descrever o bluff da produtividade.



Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'

domingo, 30 de maio de 2010

POEMA A DEUS - S. FRANCISCO DE ASSIS



ORAÇÃO


Altíssimo, onipotente e bom Deus,
Teus são o louvor, a glória, a honra
e toda benção.


Só a Ti, Altíssimo, são devidos,
e homem algum é digno
de Te mencionar.


Louvado sejas, meu Senhor,
com todas as Tuas criaturas.
Especialmente o irmão Sol,
que clareia o dia
e com sua luz nos ilumina.


Ele é belo e radiante,
com grande esplendor
de Ti, Altíssimo é a imagem.


Louvado sejas meu senhor,
pela irmã Lua e as Estrelas,
que no céu formastes claras,
preciosas e belas.


Louvado sejas meu Senhor,
pelo irmão Vento,
pelo ar ou neblina,
ou sereno e de todo tempo
pelo qual as Tuas criaturas dais sustento.


Louvado sejas meu Senhor,
pela irmã Água,
que é muito útil e humilde
e preciosa e casta.


Louvado sejas meu Senhor,
pelo irmão Fogo,
pelo qual iluminas a noite,
e ele é belo e jucundo
e vigoroso e forte.


Louvado sejas meu Senhor,
pela nossa irmã a mãe Terra,
que nos sustenta e nos governa,
e produz frutos diversos,
e coloridas flores e ervas.


Louvado sejas meu Senhor,
pelos que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.


Bem aventurados os que sustentam a paz,
que por Ti, Altíssimo serão coroados.


Louvado sejas meu Senhor,
pela nossa irmã a morte corporal,
da qual homem algum pode escapar.


Ai dos que morrerem em pecado mortal!
Felizes os que ela achar
conforme a Tua Santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.


Louvai e bendizei ao meu Senhor,
e dai-lhes graças
e serví-O com grande humildade.


Amém.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Desenhar o sol


Falo pouco, fico calado, a sentir. Dizer o quê? Se pudesse abrir o peito às pessoas e mostrar o que está dentro. Quanto mais gosto das pessoas mais emudeço

Apetece-me desenhar o sol a sorrir. Apetece-me desenhar uma menina ao lado de uma árvore grande e a menina ser maior do que a árvore. Apetece-me desenhar uma casa com uma varanda e na varanda flores de caules compridíssimos, até ao alto do papel. Apetece-me desenhar um homem cheio de botões no casaco. Apetece-me desenhar seja o que for em vez de escrever esta crónica. Vou começar um livro em abril, no dia oito, e dá-me medo começar um livro, passar dois anos, a treze horas por dia, naquilo, a acordar com ele, a adormecer com ele. Apareceu-me o título logo, coisa nova para mim, andava eu a trabalhar no plano, que são quatro folhas de papel de agenda cheias de gatafunhos e setas, a maior parte dos quais ilegíveis. Aliás não é um plano, antes coisas dispersas que talvez se condensem. Mas depois o livro em si não terá nada que ver, ou pouco terá que ver, com os gatafunhos e as setas. Serve para ir habituando a mão, agora destreinada, a tropeçar no papel. O meu material são cores, imagens, sons, um ou outro nome, tralha ao acaso, farrapos. Faço-o de insignificâncias que crescem e se vertebram a pouco e pouco segundo leis misteriosas. Depois desfaço. Depois faço de novo. Depois limpo. Depois torno a limpar. Depois acabo e nunca mais o quero ver. Estes últimos tempos tenho lido. De tudo, por puro vício, e sinto-me desocupado, inútil. Os outros trabalham e eu para aqui, à boa vida. Que raio de expressão, boa vida. Tem sido boa, a minha vida? Pareço um estabelecimento de relojoeiro com centenas de mostradores em horas diferentes. De vez em quando badaladas, de vez em quando um cuco a abrir uma portinha de madeira, a surgir de repente, a dobrar-se em vénias, a soluçar, a fechar a portinha, a sumir-se. Amanhã, vinte de fevereiro, é um dia amargo. Relógios gordos, pomposos, de caixa de vidro, relógios feios como a palavra neurastenia. Um piano a um canto da memória, com um metrónomo no tampo. Apetecia-me ter aqui uma ampulheta e observar a areia a cair. Uma frase de Hesse vem-me à cabeça, sem motivo: "É estranho caminhar no nevoeiro: as árvores não se conhecem umas às outras." Vem-me à cabeça e fica, às voltas: as árvores não se conhecem umas às outras. Em casa da Zezinha dei com uma moldura tão feia que se tornava bonita. Três irmãs lá dentro, por ordem de idade, e eu pegado à do meio, com doze anos. A seguir cresceu, a seguir pariu de mim, a seguir meteram-na numa caixa. E as árvores, que não se conhecem umas às outras, não param de falar.

Nunca lhes disse mas sinto-me bem com as minhas filhas: são três também. Falo pouco, fico calado, a sentir. Dizer o quê? Se pudesse abrir o peito às pessoas e mostrar o que está dentro. Quanto mais gosto das pessoas mais emudeço. As centenas de ponteiros não descansam. Se carregar numa tecla do piano ouvir-se-á alguma coisa? Jantei do outro lado da rua e voltei para casa. Na televisão pegada ao tecto as notícias, fornecidas por um senhor que produz romances. Devia ser obrigatório produzir romances: não faz barulho, é barato e mantém os autores ocupados. Se compusessem era um chinfrim, se pintassem um pivete e tudo sujo à volta. Será que as árvores não se conhecem mesmo umas às outras? Com o frio que está devia haver mantas para aquecer os joelhos das casas.

Há bocadinho apetecia-me desenhar o sol a sorrir, agora não sei o que me apetece. Que silêncio. Gostava de ouvir barulho de saltos de mulher no chão, a sua maneira de vestirem de gestos o interior das salas. Não me caía mal um aceno agora, a sombra de uma voz. De manhã a sombra da voz está no lado esquerdo delas, à tarde no direito. O mistério dos seus cabelos que me faz ter saudades do mar. Dia oito de abril. O sorriso da senhora do dono do restaurante enche-lhe a cara toda: basta sorrir para ficar agosto. Quando vista de lado era um agosto, quando vista de frente era um abril: olha, ainda me recordo do poeta Manuel Bandeira. Não esqueço nada: é o meu pior defeito. Memórias, remorsos, gente, o homem que em Angola me respondeu, à beira da picada, ao perguntar-lhe se a fazenda Pecagranja era perto:

- É perto mas é longe

e eu de boca aberta com tanta sabedoria. Um camponês esfarrapado a falar assim. Trazia o borrego preso por uma corda atada não ao pescoço, aos testículos. Se nos atam pelos testículos obedecemos que é uma limpeza. Tudo é perto mas é longe, amigo, desculpa a minha estupidez. Carta de um outro a um primo que lhe pedia cem escudos: perdoa não mandar os cem escudos mas já fechei o envelope. O que aprendi em África, meu Deus. E lá vêm as mangueiras, enormes, a longa, densa fila de mangueiras ao crepúsculo. Quero desenhar o sol a sorrir. Quero desenhar cerejas azuis como a Zezinha em pequena, numa folha de papel que emoldurei. Quero desenhar-me a mim, de chapéu de coco, polainas e bigode retorcido. Quero que não haja noite. Ou não haja manhã e me arranquem ao sono como quem puxa um adesivo horrível de uma zona com pêlos. Quero que me toquem, nem que seja com um dedo no ombro. Quero voltar da mata para sempre e ficar aqui sentado a olhar para vocês, de órbitas redondas como pires, como aquele negro velho, acocorado numa pedra ao centro da aldeia desfeita, indiferente às cabras mortas e à cinza, a chupar, de tempos a tempos, um pobre cigarro apagado.

Crónica de António Lobo Antunes




segunda-feira, 24 de maio de 2010

Poesia de Clarice Lispector

Meu Deus, me dê a coragem

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar. 


quarta-feira, 19 de maio de 2010

MORRER DA CURA

EU IMAGINO o que Sócrates ouviu em Bruxelas e o ministro das Finanças teve de engolir! Se a Merkel se ri deles na própria cara, como no vídeo que passa aí na Internet para nosso desgosto e vergonha, o que não terá sido aquela reunião à porta fechada!

Eu compreendo e agradeço que mais vale puxar as orelhas aos caloteiros do que ter de chamar a brigada das cobranças difíceis!

Vamos lá ver se chegam estas medidas ps! Sopram-me de Bruxelas que não chegam… vamos sofrer tanto como os gregos, para não apertarmos o pescoço do Zé Povinho com uma mão e assinarmos o troço tresmalhado do TGV com a outra, no mesmo dia!

Ora estas medidas anunciadas vão ser lindas! Digo-vos eu que noutras paragens já vivi “semanas de trabalho de três dias”, congelamentos de salários, suspensão de subsídios de férias, recolher obrigatório, estado de sítio, e tudo o que de pior se possa imaginar. Vamos ver se não morremos da cura…

Uma coisa é certa: pagamos impostos a mais para o desenvolvimento que temos. E quando três quartos da despesa primária é para pagar os vencimentos dos funcionários públicos, devemos perguntar, como se fôssemos alemães, se eles não poderiam também ajudar-nos melhor a pagar o que devemos e que até nos faz corar.

Por Joaquim Letria

sábado, 8 de maio de 2010

"A anémona dos dias" e "Cidade" a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen




A ANÉMONA DOS DIAS
  
Aquele que profanou o mar
E que traiu o arco azul do tempo
Falou da sua vitória
 
Disse que tinha ultrapassado a lei
Falou da sua liberdade
Falou de si próprio como de um Messias
 
Porém eu vi no chão suja e calcada
A transparente anêmona dos dias.


   


CIDADE

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.


 

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O DIA DA TERRA


O cântico da Terra



Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

e certeza tranqüila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.

Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.

Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.

Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu filho.

O algodão de tua veste

e o pão de tua casa.

E um dia bem distante

a mim tu voltarás.

E no canteiro materno de meu seio

tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.

Lavremos a gleba.

Cuidemos do ninho,

do gado e da tulha.

Fartura teremos

e donos de sítio

felizes seremos.




Cora Coralina

(Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas)

1889/1985, de Goiás