segunda-feira, 31 de agosto de 2009
domingo, 30 de agosto de 2009
Impulso
Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de reflectir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se trata de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflicto demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: Nem sempre os meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são: cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes restringir o impulso me anula e me deprime, às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna. Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei. (Clarice Lispector)
Explosão - pintura da escritora
ISSO É MUITA SABEDORIA
Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afecto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer.
Viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não-ser...
Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objectiva, que todos ao nosso redor conhecem; e a subjectiva... Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos - Quem somos? Não saberemos dizer ao certo!!!
Agora de uma coisa eu tenho certeza: devemos sempre ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser... Aqui reside o eterno conflito da aparência/essência. E você... O que pensa disso?
Que desafio, hein?
"... Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la..."
Clarice Lispector
Viver em sociedade é um desafio porque às vezes ficamos presos a determinadas normas que nos obrigam a seguir regras limitadoras do nosso ser ou do nosso não-ser...
Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo, duas personalidades: a objectiva, que todos ao nosso redor conhecem; e a subjectiva... Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa que se perguntarmos - Quem somos? Não saberemos dizer ao certo!!!
Agora de uma coisa eu tenho certeza: devemos sempre ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar pelo que somos e não pelo que parecemos ser... Aqui reside o eterno conflito da aparência/essência. E você... O que pensa disso?
Que desafio, hein?
"... Nunca sofra por não ser uma coisa ou por sê-la..."
Clarice Lispector
sábado, 29 de agosto de 2009
Um dia...
Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
Sophia de Mello Breyner Andresen
As pessoas sensíveis
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As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."
Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.
Sophia de Mello Breyner Andresen
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."
Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.
Sophia de Mello Breyner Andresen
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
África
África no corpo e na alma...
Os teus defeitos são graças
desse mistério profundo...
Saudade de duas raças
que se abraçaram no mundo!
Tomaz Vieira da Cruz (Angola)
Os teus defeitos são graças
desse mistério profundo...
Saudade de duas raças
que se abraçaram no mundo!
Tomaz Vieira da Cruz (Angola)
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Fundo do Mar
Fundo do Mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Alexandra Zarubina
Menina russa, caso dramático de uma decisão insensível.
Pais Genéticos versus Pais Biológicos/Afectivos - Manuel Coutinho, Psicólogo Clínico
«Os laços de sangue não podem, por si só, ser determinantes, para a manutenção de uma relação parental saudável
Toda a Criança necessita de pais disponíveis e atentos para a ajudar a ultrapassar, com êxito, as diferentes etapas do seu desenvolvimento psicomotor.
Durante todo este processo, a Criança precisa de ter assegurado, desde que nasce, os cuidados básicos de alimentação e higiene, em paralelo com uma sólida relação afectiva, que deve ser sempre pautada por sentimentos de boa qualidade. Só assim poderá crescer de forma sadia, confiante e em segurança.
É hoje claro para todos que os laços de sangue não podem, por si só, ser determinantes, para a manutenção de uma relação parental saudável, porque nem sempre essas pessoas reúnem os critérios tidos como suficientes para desempenhar esse papel de tão grande complexidade.
Nesse sentido creio que podemos dizer que a categoria de “pai” se pode dividir em pelo menos três subcategorias, a dos pais genéticos, a dos pais biológicos e a dos pais afectivos.
Os pais genéticos são basicamente aqueles que para além de darem vida à Criança, nunca tiveram qualquer relação de apego com ela, apenas lhe transmitiram o material genético, conforme acontece em muitas espécies.
Nos humanos para além existirem pais só genéticos, existem os pais biológicos que reúnem, para além dos critérios considerados para os pais genéticos, os critérios considerados para os pais afectivos ou seja, vinculam com os filhos, cuidam deles, proporcionam-lhes um ambiente de qualidade, saudável e feliz e com eles mantêm uma relação afectiva profunda, capaz de os ajudar a crescer de forma tranquila, saudável e harmoniosa.
Os pais afectivos são aqueles que apesar de não terem transmitido a carga genética à Criança, que adoptaram, ou que lhes foi judicialmente confiada, mantêm com ela laços afectivos profundos, capazes de lhe propiciarem uma vida de felicidade, tranquilidade, segurança e harmonia, à semelhança do que se passa com os pais biológicos.
Os pais biológicos e os pais afectivos de pleno direito têm igual responsabilidade na educação dos filhos e não devem nem podem sobrepor sempre de forma repetida os seus interesses individuais, aos supremos interesses dos filhos, porque ao fazerem-no estão a correr o risco de os estar a expor a experiências traumáticas causadoras de sofrimento desnecessário e doloroso que poderá vir a interferir no desenvolvimento harmonioso da personalidade dos filhos.
As situações afectivas têm de ser tratadas com muito cuidado. Cabe aos pais gerirem a família enquanto espaço emocional e protegerem sempre a Criança.
Os pais, sejam eles biológicos ou de afecto, têm de perceber que os interesses dos filhos estão acima dos seus, quer a nível pessoal, profissional ou económico e que independentemente da estrutura familiar que tenham formado ou venham a formar, não devem, nem podem, ter atitudes prejudiciais ao equilíbrio dos filhos, nem proferir ou deixar que alguém profira por eles palavras críticas ou comentários que os magoem e lhes deixem marcas traumáticas, muito nefastas para o resto das suas vidas.
Em caso de ruptura da relação conjugal é sempre bom lembrar que não pode, nem deve haver ruptura da relação parental e os pais, independentemente da opinião que tenham em relação ao outro, devem cativá-los para que estes se sintam seguros, felizes, amados e tranquilos.
Os filhos, têm de ser poupados aos impactes negativos do divórcio dos seus pais e no seu superior interesse, não devem, nem podem, ser privados nem do pai nem da mãe. E estes, em conjunto, devem ter o bom senso de estabelecer e cumprir valores, rotinas e regras bem como procedimentos a ter durante a semana, ao fim-de-semana, nas férias e em datas festivas, que lhes permitam ter um espaço familiar e uma qualidade de vida, onde não tenham de ser precipitadamente impulsionadas para uma maturação precoce, e onde possam usufruir de uma rede de relações de amizade que completem os cuidados familiares protagonizados por ambos os pais.»
Os Juízes deveriam ter noções de psicologia para usarem quando decidem em tribunal o futuro de Crianças que foram sempre amadas por pais afectivos e que pouco ou nada conhecem dos biológicos e as entregam a estes últimos sem o mínimo respeito pelos sentimentos e pelo futuro destas Crianças, lavando, maioria das vezes, as mãos como Pilatos dizendo que apenas seguem as leis...
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Clarice Lispector
A Lucidez Perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
"Lugares-Comuns" crónica de Nuno Lobo Antunes Pintura de Paul N Grech (Cuba)
• Atrevo-me a transcrever a crónica "Lugares comuns" de Nuno Lobo Antunes por quem nutro grande admiração.
"Detesto lugares-comuns. São uma espécie de outlets da inteligência onde, por preços muito baratos, se compram imitações do pensamento.
Exemplo 1:« Portugal - País Pequeno e Periférico». Dou de barato o pequeno, embora, por razões de que todos suspeitarão, seja adepto fervoroso de que o tamanho não importa. Quanto a periférico...onde fica a cabeceira numa mesa redonda? É o Japão «central»? (ou os EUA, ou a Índia, ou a China). As cidades principais dos EUA não ficam no centro do seu território, antes na «periferia» do mesmo,i.e. na costa Ocidental e Oriental. Que ninguém diga que eu vivo longe porque, na verdade, estou perto do meu vizinho, e se alguma vez a minha casa se tornar relevante, o centro passará por onde eu moro. Faz-me lembrar um amigo americano, que quando, um estranho o interrogava na rua sobre como ir a determinado local, respondia, circunspecto, com ar de perfeita convicção: « Onde fica a cabeceira de uma mesa redonda?»
Exemplo 2 : « Não há fumo sem fogo». Este é o lugar comum que mais me indigna. É o princípio da presunção da inocência, substituído pela presunção da culpabilidade. É bom que se diga bem alto: há, (muitas vezes), fumo sem fogo, sobretudo quando grassa a calúnia, a inveja e a mediocridade.
Exemplo 3: « Duas cabeças pensam melhor que uma ». É falso, notoriamente falso. Quando duas cabeças se juntam, há uma que pensa melhor que a outra, (embora , por vezes, se possam complementar). Quando Einstein emigrou para os EUA foi editado na Alemanha um livro intitulado « Cem cientistas contra Einstein». Resposta do visado: « porquê cem? Se estou errado, bastava um!» ou, como dizia o General Paton ao seu Estado-Maior: « se nesta sala todos pensam como eu, então, alguém não está a pensar!». Ah, se a verdade fosse como uma carroça, que mais depressa andasse, quanto mais burros a puxassem...
Depois, há expressões portuguesas que são de um provincanismo confrangedor:
Exemplo1 : «Lá fora...»(faz-se, diz-se, referindo-se ao estrangeiro).Estamos a ver os ingleses a exclamarem outside, ou os franceses dehors, quando pretendem referir-se a outros países. Oliveira Salazar, não deve ter sido estranho a estas alfândegas da mente. Bem dizia o meu tio. Pedro Almeida Lima, quando respondia: «Lá fora....País que nunca visitei!»
Exemplo 2: «Vem nos livros...» Mas quais livros Deus meu! Escritos por quem? Mas será que as pessoas não percebem que a autoridade de um livro é apenas de quem o escreveu, naturalmente uma pessoa que, como qualquer outra, tem os seus «bias», erros, enviesamentos? (uma variante muito utilizada pelos médicos é: «Eles» dizem). Em oposição, o reitor de Harvard, no discurso de encerramento do curso de Medicina começou da seguinte forma: « metade do que vos ensinámos é mentira... não sei qual é essa metade!»
Exemplo 3: «Ele(a) tem muita experiência...» lembro-me sempre de meu Pai, que gostava de citar Pascal: « Experiência não é o que nos acontece, mas o que fazemos com o que nos acontece...»
para acrescentar da sua própria lavra:«olha o burro, toda a vida à volta da nora... pergunte-lhe o que é uma circunferência!»
Exemplo 4: «É o País que temos...» habitualmente acompanhado de um movimento de ombros e sobrancelhas que parece querer dizer: nada a fazer, país de idiotas, incúria de irresponsáveis. Este é um País de suplentes, em que poucos parecem querer entrar no campo, e os que ficam sentados, não reconhecem que é a sua equipa que está a perder. Como gostaria de ouvir alguém responder: Este é o País que somos!
Exemplo 5: «Da maneira que falaste, perdeste a razão!», Não, idiotas, não a perdi, (se a tinha), porque se a razão me assiste, bem posso ser malcriado, arrogante, snob, insuportável, desprezível ou cplérico, que mantenho como minha a coerência do argumento, independentemente dos decibéis com que a expresso.
Num jantar, ouvi uma vez esta tirada, bem digna de um certo personagem queirosiano.« Portugal,(pausa), é um País que não estimula o raciocínio!». Como tem razão, meu caro Conselheiro."
RUI KNOPFI
• Princípio do dia
Rompe-me o sono um latir de cães na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.
Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.
No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.
E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.
(Amanhã volto a experimentar).
domingo, 23 de agosto de 2009
Mar Sonoro
sábado, 22 de agosto de 2009
Contemplando...
É meio dia!
Sentada numa rocha, na floresta de Sintra, rodeada de frondosas árvores fico em contemplação tentando focalizar os sentidos apenas nos sons da natureza. Aqui perto o cantar de um negro e esbelto melro, mais além um grilo barulhento, lá em cima uma rola com o seu cantar melancólico, um esquilo que se esconde rapidamente entre os ramos e espanto meu, mesmo junto a mim, três lebres que fogem assustadas com o meu movimento, um ramo que cai, a água de uma fonte...sons imensos, sons esquecidos...
Em criança, vivi sempre junto às florestas e conhecia praticamente todos os sons dos animais. Hoje, citadina, a morar e a trabalhar em lugares de grande movimento automóvel esqueci o quão maravilhosa a natureza é, e a necessidade física e espiritual que tenho da sua presença... do cheiro da terra molhada, dos animais, do verde, do azul...
Deus, que magnificência a tua obra!
Obrigada por por este relembrar de um momento anteriormente já vivido!
Universalista
Universalista
Charles Chaplin
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.
A cobiça envenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios.
Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
(O Último discurso, do filme O Grande Ditador)
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
The Beautiful Planet Earth
A ARTE DE VIVER EM PAZ
• Visa sensibilizar e motivar pessoas a construírem seu próprio programa de qualidade de vida, a partir da reflexão sobre suas opiniões, atitudes e comportamentos. Demonstrando a interligação dos processos vitais, possibilita assumir responsabilidade pela manutenção da paz em todos os relacionamentos e restabelecer uma relação harmoniosa e equilibrada consigo, com o outro e com a natureza.
Para muitos de nós, ocidentais, quando pensamos em paz, logo vem a mente imagens de paisagens calmas, contemplativas, entre fofas nuvens brancas, sons de harpa e anjos barrocos voando aqui e ali. Creio que são padrões que estão associados a contribuições do sistema educacional e religioso às crianças da minha geração.
Para os orientais das escolas taoistas e do budismo tibetano o conceito de paz é muito mais abrangente. Para eles paz é o mesmo que movimento, alegria, música, fluidez, espontaneidade, harmonia, iniciativa, encontro...Com a mesma abrangência vêem a guerra como crise, conflito, oportunidade, crescimento... Ou seja saem do dualismo e compreendem as situações com uma visão mais complexa e integral.
Ao ser questionado se há algo que une todos os indivíduos, de todos os povos, de todas culturas e de todas as regiões do mundo o Dalai Lama afirma que sim e aponta o desejo da felicidade como uma causa unificadora de toda a humanidade.
Ora se a felicidade é a busca comum de todos os homens e mulheres do mundo por que ainda seguimos colhendo tanta infelicidade e tristeza?
A UNESCO, órgão das Nações Unidas, que visa promover a paz através da educação, da ciência e da cultura, criada em 1945 no preâmbulo do seu ato constitutivo afirma que: “As guerras nascem na mente dos homens, logo, é na mente dos homens que devem ser erguidos o baluarte da paz”.
Na sua mente, o indivíduo separa-se da natureza e da sociedade. Por causa da separação ele criou fragmentações que Pierre Weil chamou de “fantasia da separabilidade”. Muito tem contribuído para isso a visão mecanicista da ciência relutante em aceitar as revelações da física quântica.
Para sair desta armadilha dualista precisamos ampliar a nossa consciência da realidade que nos cerca buscando uma visão holística e integral. Uma consciência cósmica, isto é, uma visão que leva em consideração tanto o todo como as partes. Trazendo isso para o quotidiano. Aprendendo a pensar globalmente e agir localmente. Buscando num processo de transformação despertar a “A arte de viver em paz” consigo mesmo, com a sociedade e com a natureza.
Nós vivemos actualmente uma crise de fragmentação sem precedentes. A mente do homem dividiu tudo, desde os países até o mundo das ideias. As universidades estão fragmentadas, as religiões estão fragmentadas. Como começa essa fragmentação na mente dos indivíduos?
Se pedirmos para as pessoas apontarem onde está a natureza a maioria delas apontará para as árvores, para as nuvens, para algo exterior. Nós nos comportamos como se a natureza estivesse fora de nós. Estamos realmente fora da natureza? Estamos fora do mundo? Essa dualidade é uma fantasia, a “Fantasia da Separabilidade” que gera reacções. De apego quando desejamos possuir objectos, pessoas ou ideias que nos dão prazer. De rejeição quando rejeitamos objectos, pessoas ou ideias que nos ameaçam e nos causam desprazer, estimulando o medo ou a raiva. De indiferença quando somos indiferentes a objectos, pessoas ou ideias que não nos causam nem prazer, nem desprazer e sem qualquer utilidade.
Se quisermos experenciar em nós mesmos onde fica a paz, em primeiro lugar precisamos encontrar a paz no corpo. O relaxamento diário é um caminho fácil que, em pouco tempo, garante dias mais tranquilos e em paz, se for praticado todos os dias. Alem é claro de uma alimentação saudável, natural, equilibrada e frugal. Da prática de actividades físicas prazerosas como as de Tai-Chi, Hatha-Yoga, Aikido, caminhadas, dança e tantas outras que exijam de nós uma consciência respiratória que é a fonte de todas as energias. O equilíbrio de tempo dedicado ao trabalho e ao lazer bem como aos amigos e familiares também é uma medida para a paz no corpo e no coração.
E por falar no coração - que é o nosso centro das emoções - precisamos entender que as doenças que aparecerem no corpo são desencadeadas por emoções negativas repetitivas provocadas por situações que desencadeiam raiva, ciúme, medo...que precisam ser tratadas seja pela própria pessoa no seu processo de autoconhecimento seja por terapeutas nos casos mais complexos.
Para evitar o acúmulo de emoções negativas precisamos esclarecer as situações que enfrentamos usualmente baseados na nossa sempre fértil imaginação. É sair do PISAR e ir para o PESAR. Esclarecendo os acrósticos: P = percebo, I = imagino, S = sinto, A = ajo e R = reajo quanto ao PESAR o E significa esclarecer que é onde reside o salto, a mudança de qualidade nas relações. Para exemplificar: cruzo com um amigo e ele não me cumprimenta. Ao invés de ficar imaginando mil e uma possibilidades (em geral negativas) vou esclarecer com ele o ocorrido o que lhe permitirá dar as razões e com isso solidificar ainda mais a amizade. Isso adotado como prática desonera nosso acervo de situações mal resolvidas trazendo paz para as nossas emoções. Segundo Pierre Weil, para seu próprio bem, não passe mais de 24 horas com um ressentimento.
No nível mental as várias práticas de meditação são indicadas para o equilíbrio da nossa mente tão ativa e descontrolada. Gosto de imaginar os pensamentos indesejáveis como as nuvens do céu que assim como surgem vão embora suavemente, sem esforço. Assim entre as muitas “nuvens” aparecesse o “sol radiante”, nossas melhores intuições. No início estes momentos são rápidos e raros mas com a disciplina e a prática vão nos visitando com mais freqüência. São nestes momentos de iluminação que sentimos a nossa união profunda com o todo. Somos uno no todo.
Nós vimos como acontece a destruição da ecologia pessoal, dentro de nós mesmos. A mente fragmentada favorece emoções destrutivas que, por sua vez, destroem o equilíbrio do corpo. Assim é que perdemos a paz interior. O indivíduo por sua vez cria uma sociedade doente, uma cultura fragmentada, uma sociedade violenta, condições econômicas de exploração do indivíduo pelo indivíduo. Podemos também afirmar que essa sociedade doente reforça e cria indivíduos doentes e desequilibrados. A situação é parecida com problema do ovo e da galinha. Não sabemos onde começou o desequilíbrio, se na sociedade, se no indivíduo. No entanto fica bem claro que é indispensável começar a trabalhar a paz no indivíduo. Paralelamente também se deve fazê-lo no plano social através de ações de entidades governamentais ou não.
Para facilitar a paz na sociedade é preciso um sistema econômico que proporcione, a cada indivíduo, condições para manter o conforto essencial, a começar pela alimentação, vestuário e moradia. Uma volta de todos os cidadãos do planeta à simplicidade voluntária, diminuindo assim o super consumo que gera a destruição da natureza. Tendo o trabalho como fonte de alegria de viver através do desenvolvimento de uma nova motivação profissional, fundamentada na consciência da utilidade do serviço (viço do ser) prestado aos outros e na alegria que isso proporciona, tanto quanto nos benefícios pessoais recebidos. Uma educação para crianças, adolescentes, jovens e adultos que vise, antes de tudo, ao despertar da consciência e do espírito de cooperação, que abranja as consciências pessoais, sociais e ambientais. Uma cultura de paz que incentive o despertar em cada um da beleza, da verdade, do amor, da justiça, ou seja, de todos os valores universais, para substituir a violência e a destruição pela cooperação, a sinergia e o respeito à vida e à natureza.
(*)Seminário de autoria do reitor da Unipaz, Dr. Pierre Weil, é uma contribuição da Unipaz para o programa da ONU (Nosso futuro comum) e da UNESCO (A paz no espírito dos homens), tendo sido aprovado em sua 26ª Assembléia Geral como um método educacional para a paz.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Sigur Rós
ALBERT EINSTEIN
"O ser humano vivência a si mesmo, seus pensamentos como algo separado do resto do universo - numa espécie de ilusão de óptica de sua consciência. E essa ilusão é uma espécie de prisão que nos restringe a nossos desejos pessoais, conceitos e ao afecto por pessoas mais próximas. Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza. Ninguém conseguirá alcançar completamente esse objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa liberação e o alicerce de nossa segurança interior."
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Citação do livro "A Fórmula de Deus"
José Rodrigues dos Santos
"Até que ponto somos mesmo livres? Não se estará a dar o caso de tomarmos decisões que parecem ser livres mas que, se formos a analisar a sua origem profunda, são condicionadas por um número sem fim de fatores, de cuja existência muitas vezes nem nos apercebemos? Será que a livre vontade não passa afinal de uma ilusão? Será que está tudo determinado, apesar de não termos consciência disso?"
"Tudo é causa de tudo e provoca consequências que se tornam causas de outras consequências, num eterno efeito dominó, em que tudo está determinado mas permanece indeterminável."
"Vivemos a vida como se ela fosse eterna, como se a morte fosse algo que só acontece aos outros e apenas nos está reservado ao fim de muito tempo, tanto tempo que nem merece a pena pensarmos nisso. Para nós, a morte não passa de uma abstracção. (...) Mas o problema é que a morte não é uma abstracção. Em boa verdade, ela está já aqui ao virar da esquina. Um dia, estamos nós muito bem a deambular pela rua da vida como sonâmbulos, vem um médico e diz-nos: você pode morrer. E é nesse instante, quando de repente o pesadelo se torna insuportável, que finalmente despertamos"
MÚSICA
"Algo de miraculoso arde nela,
fronteiras ela molda aos nossos olhos.
É a única que continua a me falar
depois que todo o resto tem medo de estar perto.
Depois que o último amigo tiver desviado o seu olhar
ela ainda estará comigo no meu túmulo,
como se fosse o canto do primeiro trovão,
ou como se todas as flores explodissem em versos."
terça-feira, 18 de agosto de 2009
A arte de governar
por ADRIANO MOREIRA
Alguns dos responsáveis pelos governos de grandes potências, sendo que a hierarquia do Estado na comunidade mundial tem de ser data- da, ensaiam beneficiar os sucessores com o legado da sua experiência e contribuições para o que chamam a arte de governar. O problemático século XX deixou alguns exemplos desses textos, que são diferentes de alegações justificativas, embora de regra os autores assumam que todo o trajecto foi justificável.
Os Estados Unidos dão exemplo com a tradição dos discursos de despedida dos presidentes, que não desperdiçam essa oportunidade solene de tentar contribuir para o reforço do desígnio nacional, e dos métodos mais apropriados no sentido de o tornar directivo da história a construir. Na história do presente destacou-se o discurso que Dwight Eisenhower pronunciou em 17 de Janeiro de 1961, advertindo os americanos de que o país tinha sido compelido a criar uma indústria de armamento sofisticado e de grandes proporções, de modo que a relação entre esse complexo industrial militar, de dimensão sem precedente, e os milhares de homens e mulheres a participar directamente na estrutura da defesa e segurança, garantia que "nenhum potencial agressor possa sentir-se tentado a arriscar a sua própria destruição". Mas, com sabedoria, deixava compreender que não estava assegurado o controlo nacional desse complexo militar-industrial, apontando como exigência da governabilidade desejável a precaução contra a aquisição de demasiada influência, "procurada ou não procurada", de tal complexo na gestão do Estado, apelando à cidadania activa para que os objectivos da paz, do credo americano, não fossem afectados.
Ainda que não meditadas suficientemente pelos sucessores, as palavras continuam em exercício. Pareceram ter um eco suficientemente audível quando J. F. Kennedy, em 26 de Junho de 1963, no ambiente crítico da guerra fria, e tendo conseguido meses antes resolver em paz a crise dos mísseis de Cuba, se dirigiu aos alemães e ao mundo, discursando junto ao Muro de Berlim, tendo por afirmação central a famosa afirmação - Ichbin ein Berliner, também sou um berlinense. Recordando o cerco de dezoito anos a que a cidade foi submetida, proclamava: "Peço-vos, para finalizar, que olheis para as esperanças do futuro a despeito dos perigos do presente, que da nossa liberdade de Berlim e do país olheis para o triunfo final da liberdade, que deste Muro olheis para um futuro de paz e justiça, que todos olhemos para a humanidade no seu conjunto." Este foi o seu discurso do adeus, porque antes do fim desse mesmo ano seria assassinado em Dallas, adivinhando-se por quais razões, mas não por ordem de quem.
O discurso de Obama, pronunciado no Cairo em 4 de Junho de 2009, parece ter raízes nestas mensagens de fim do tempo dos outros, mas destinadas a permanecer no tempo do sonho americano. Um sonho que não pode ser uma utopia destinada a não ser vivida em terra alguma. Tem de ser parte de um conceito estratégico, com a necessária atenção nos desafios do futuro que nenhum poder define para todos, e que de regra a todos surpreende. Pareceu um regresso à leitura dessa experimentada arte de governar, colocando a razão no lugar do ditado, com estas palavras: "Já aprendemos, de nossa experiência recente, que quando um sistema financeiro enfraquece, num país, a prosperidade de todos sofre, em todos os lugares. Quando uma gripe faz adoecer um ser humano, todos ficam ameaçados. Quando uma nação trabalha para construir uma arma nuclear, o risco de ataques nucleares aumenta para todos os povos. Quando um extremista violento opera num desfiladeiro nas montanhas, há pessoas ameaçadas do outro lado do oceano. E quando inocentes são massacrados na Bósnia e no Darfur, a mancha alastra por toda a nossa consciência colectiva. Isto é o que significa partilhar o mundo no século XXI."
O discurso do Cairo apela ao regresso ao diálogo entre as nações, mas são muitas as cadeiras que esperam por ocupante. Não vai ser fácil.
Retirado do Jornal Diário de Notícia de 14 de Julho
Os Estados Unidos dão exemplo com a tradição dos discursos de despedida dos presidentes, que não desperdiçam essa oportunidade solene de tentar contribuir para o reforço do desígnio nacional, e dos métodos mais apropriados no sentido de o tornar directivo da história a construir. Na história do presente destacou-se o discurso que Dwight Eisenhower pronunciou em 17 de Janeiro de 1961, advertindo os americanos de que o país tinha sido compelido a criar uma indústria de armamento sofisticado e de grandes proporções, de modo que a relação entre esse complexo industrial militar, de dimensão sem precedente, e os milhares de homens e mulheres a participar directamente na estrutura da defesa e segurança, garantia que "nenhum potencial agressor possa sentir-se tentado a arriscar a sua própria destruição". Mas, com sabedoria, deixava compreender que não estava assegurado o controlo nacional desse complexo militar-industrial, apontando como exigência da governabilidade desejável a precaução contra a aquisição de demasiada influência, "procurada ou não procurada", de tal complexo na gestão do Estado, apelando à cidadania activa para que os objectivos da paz, do credo americano, não fossem afectados.
Ainda que não meditadas suficientemente pelos sucessores, as palavras continuam em exercício. Pareceram ter um eco suficientemente audível quando J. F. Kennedy, em 26 de Junho de 1963, no ambiente crítico da guerra fria, e tendo conseguido meses antes resolver em paz a crise dos mísseis de Cuba, se dirigiu aos alemães e ao mundo, discursando junto ao Muro de Berlim, tendo por afirmação central a famosa afirmação - Ichbin ein Berliner, também sou um berlinense. Recordando o cerco de dezoito anos a que a cidade foi submetida, proclamava: "Peço-vos, para finalizar, que olheis para as esperanças do futuro a despeito dos perigos do presente, que da nossa liberdade de Berlim e do país olheis para o triunfo final da liberdade, que deste Muro olheis para um futuro de paz e justiça, que todos olhemos para a humanidade no seu conjunto." Este foi o seu discurso do adeus, porque antes do fim desse mesmo ano seria assassinado em Dallas, adivinhando-se por quais razões, mas não por ordem de quem.
O discurso de Obama, pronunciado no Cairo em 4 de Junho de 2009, parece ter raízes nestas mensagens de fim do tempo dos outros, mas destinadas a permanecer no tempo do sonho americano. Um sonho que não pode ser uma utopia destinada a não ser vivida em terra alguma. Tem de ser parte de um conceito estratégico, com a necessária atenção nos desafios do futuro que nenhum poder define para todos, e que de regra a todos surpreende. Pareceu um regresso à leitura dessa experimentada arte de governar, colocando a razão no lugar do ditado, com estas palavras: "Já aprendemos, de nossa experiência recente, que quando um sistema financeiro enfraquece, num país, a prosperidade de todos sofre, em todos os lugares. Quando uma gripe faz adoecer um ser humano, todos ficam ameaçados. Quando uma nação trabalha para construir uma arma nuclear, o risco de ataques nucleares aumenta para todos os povos. Quando um extremista violento opera num desfiladeiro nas montanhas, há pessoas ameaçadas do outro lado do oceano. E quando inocentes são massacrados na Bósnia e no Darfur, a mancha alastra por toda a nossa consciência colectiva. Isto é o que significa partilhar o mundo no século XXI."
O discurso do Cairo apela ao regresso ao diálogo entre as nações, mas são muitas as cadeiras que esperam por ocupante. Não vai ser fácil.
Retirado do Jornal Diário de Notícia de 14 de Julho
Crónica de Nuno Lobo Antunes
No mundo das crianças a preguiça não existe
"A Inês tem sete anos e é encantadora. No quadro branco pintou uma paisagem ingénua, por onde passeia a sua infância. Num traço hesitante surgiram montes e casas e, por cima, um Sol que, por se sentir sozinho, pediu a umas nuvens que lhe izessem companhia. Quando acabou, a artista interrogou-me sem palavras, pedindo aprovação para um desenho colorido com o brilho do olhar, a vivacidade da expressão e a facilidade do sorriso. Como se pode julgar o que é maior do que nós? Não foi fácil entender o motivo da consulta. Dentro da sala de aula-explicava a mãe- a Inês sofre uma metamorfose ao revés. A borboleta esfusiante transforma-se num bichinho amedrontado, que se esconde atrás das colegas, na esperança de não ser notado. Tudo o que tem a ver com a Escola, mesmo o mais simples exercício, a leitura ou escrita de um monossílabo, assemelha-se a um difícil número de trapézio, donde antevê, como eminente, uma queda aparatosa, ponto de exclamação numa arena sem rede. No entanto, mal toca a campaínha para o «recreio», está de volta a alegria viver que enche de cor, o nada de um quadro em branco. Pouco a pouco, a Inês deixou de acreditar que era capaz e, na certeza da sua incompetência, sentiu-se culpada e má, menina que não presta, para quem as letras e os números têm segredos indecifráveis, enigmas que os colegas resolvem na ligeireza de um «abre-te Sésamo», tesouros que lhe estão vedados. Porém, estou certo que lê, como ninguém, a inquietação, (e angústia), que o olhar da mãe não consegue disfarçar. Todos os meses percorro as Escolas do País, levando um Evangelho de ideias simples, princípios em que acredito. As crianças nascem para ser felizes. O seu cérebro tem um potencial fantástico de curiosidade, espanto, encantamento pela descoberta. Até à entrada na Escola, isto é evidente para todos os pais, que inevitavelmente se apaixonam por aquele brilhozinho nos olhos, o riso sem disfarce, a alegria sem nuvens. O dito inesperado, a observação certeira, a coerência com o universo. Porém, à entrada na Escola, para muitos, tudo se transforma. De repente, o mundo mudou. O afecto ou sorriso dos adultos parece depender da facilidade com que se resolvem novos quebra-cabeças, que envolvem gatafunhos a que os «crescidos» chamam letras e números. Se, para alguns, a navegação dessas águas é fácil e fonte de encorajamento e satisfação, para outros, é um Cabo das Tormentas, sem Boa Esperança à vista. As crianças entristecem, prisioneiras de um aquário onde muitos olhos observam os seus resultados, realizações, derrotas. A autoconfiança esvai-se lentamente, a ida para a Escola torna-se uma punição. As outras crianças, muita vezes imitando os adultos, fazem troça de uma resposta errada, de uma leitura hesitante, de um ditado com erros, que é exibido, como edital, perante a turma. És preguiçoso -dizem uns - és um distraído - dizem outros. A insinuação da inferioridade vai-se tornando progressivamente mais clara, até atingir, por vezes, a afirmação pura e simples de que se é «burro». Em casa, tentando ajudar, a mãe senta-se com o filho, durante horas intermináveis, na realização dos trabalhos-de-casa. Tempo de frustação intensa,, que muitas vezes acaba com lágrimas de uns e de outros. O mundo, para a criança, tornou-se hostil. Para os pais a perplexidade: como explicar que aquela criança tão «viva» e «esperta», se mostre incompetente quando posta à prova no mundo das letras e dos números. Como explicar que o que parece ter aprendido hoje, seja de pronto esquecido amanhã? Porquê hoje responder bem às questões colocadas em casa, mas chegado o dia do teste, tudo pareça ter-se dissolvido num mar de ignorância. Como explicaro contraste entre a dificuldade de concentração nas aulas e as horas esquecidas em frente a um jogo de computador, numa vigilância de sentinela? E o «click» de que os amigos falam e não chega? E a imaturidade que a psicóloga diagnosticou e não mais se resolve? A explicação surge em regra responsabilizando a criança; é distraída, preguiçosa, desinteressada. O discurso não deixa dúvidas, a culpa é da criança;«-porque não pões os olhos na tua irmã? Porque não és como o teu colega Luís? Sabes os sacrifícios que os pais fazem para te educar...porque não lhes dás essa alegria?« E a criança esforça-se mais uma vez, e mais uma vez falha, até à conclusão inevitável: não presta! E se não presta e não é capaz porquê tentar? Algumas descobrem a saída que os poderá tornar populares: ser o «palhaço» da aula, o mais aventureiro, o que desafia a autoridade. Na infância e na adolescência... O meu credo é simples: - Não existem crianças preguiçosas, mas sim crianças cansadas do insucesso, - O insucesso cria um círculo vicioso que gera mais insucesso, descrença, frustação. -Os bons resultados, pelo contrário, aumentam a motivação, a confiança, o êxito. - As crianças não acordam de manhã com intenção de falhar, errar, criar angústia em pais e professores. Se isso acontece, é porque a vida escolar nada lhes trouxe que as faça felizes ou confiantes. A minha ideia mais simples, e porventura a mais importante, é de que no mundo das crianças a preguiça não existe.
domingo, 16 de agosto de 2009
sábado, 15 de agosto de 2009
ÁFRICA
Mutiladas pela ignorância
Queria ver...
E taparam meus olhos
Queria ouvir...
Ensurdeceram meus ouvidos
Queria falar...
Deixaram-me rouca
Queria agir...
E prenderam-me a cultura
Queria amar...
Arrancaram-me o prazer
Queria odiar...
Acabei censurada
Queria chorar...
Fizeram-me sorrir
Queria viver...
E se apresentou a rotina
Queria morrer...
E fui chamada de suicida
Mutilaram meus sentimentos;
Mutilaram minha candura;
Mutilaram meus pensamentos;
Mutilaram minha loucura
A poesia eterna por Marco Dias - Mia Couto, Moçambique
http://br.geocities.com/poesiaeterna/poetas/mocambique/miacouto.htm
traveler national geographic
http://traveler.nationalgeographic.com/2009/01/photo-contest-winners-photography
Imagens únicas
Imagens únicas
Safari ecológico
http://terratv.terra.com.br/Noticias/Mundo/4201-242566/Confira-os-bastidores-de-um-safari-ecologico.htm
Safari no inferno
http://tv1.rtp.pt/antena1/index.php?t=Safari-no-Inferno.rtp&article=1077&visual=11&tm=
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Alda de Lara Albuquerque
Testamento
À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos,
lavrados Em cristal,
límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...
À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos,
lavrados Em cristal,
límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...
Memórias de África
Enya - Storm in Africa
Nasci numa pequena localidade, distante da civilização, mas “pertinho” da histórica Ilha de Moçambique, do concelho de Nampula, numa madrugada de Setembro. Tive como parteira a minha avó Benvinda por não haver nas proximidades, nem profissionais de saúde, nem hospitais. Os nativos deste concelho eram maioritariamente Macuas, mas na Ilha havia uma fusão de Afro-árabes, Goêses e Indianos. O meu pai como ferroviário é constantemente transferido de localidade em localidade, assim nunca ficámos tempo suficiente nos locais e escolas de modo a fazermos amizades. Recordo uma casa em Pessene, no meio do mato, com um quintal enorme cheio de árvores de fruta, dois poços e muitos animais que nos acompanharam durante quase toda a infância e adolescência. Junto à nossa, existia apenas outra casa de alvenaria também dos Caminhos- de -Ferro de Moçambique e ao longe as palhotas dos indígenas e os animais da floresta! Junto ao nosso quarto havia um lago onde as diversas variedades de rãs decidiram fazer habitação e nos dias de chuva executavam um cântico belíssimo. As árvores eram o mote para as nossas brincadeiras, descalças pela floresta em redor da casa íamos à descoberta, no seu majestoso silêncio. Á noite com o cantar das cigarras, a luzinha dos pirilampos e o som mágico do batuque, lá bem longe, ficávamos a sonhar de olhos abertos as histórias que liamos do Fantasma e das Florestas Encantadas! Ao final da tarde com o cair do sol , a saída de milhares de morcegos em voo raso por cima das nossas cabeças fazia-nos fugir apavoradas para dentro de casa, tinham-nos dito que se agarravam aos cabelos e nunca mais largavam. Durante a noite havia sempre um mais afoito que entrava em casa e caía nas nossas camas: - “MÃE, olha um morcego, MÃE!!!”, lá vinha ela de vassoura em punho meter na ordem o atrevido e pacientemente o encaminhar para fora de casa! Que magníficos eram os sons da noite, deitada em permanente alerta, escutava o coaxar das rãs, os grilos, as cigarras, o batuque que se ouvia vindo de longe e que me transportava àquele mundo povoado de magia… Durante o dia escapava muitas vezes à atenção da minha mãe e vagueava mato fora na curiosidade de ver o modo de viver dos nativos. Ía até às pequenas aldeias indígenas circundadas por uma paliçada espinhosa que servia para os proteger dos animais selvagens, as palhotas com telhado de capim e as paredes de ramos de árvores e forradas de caniço ou colmo, ficava ao longe escondida a olhá-los, simplesmente a olhá-los. Pareciam tão felizes...o comer cheirava tão bem que abria o apetite, via a liberdade das crianças que brincavam nuas e despreocupadas alheias aos problemas dos mais velhos e visitava os cemitérios que me intrigavam porque via junto às campas rasas tachos de comida, biberãos com leite, e perguntava-me para que serviriam! Mais tarde disseram-me ser uma tradição, os parentes acreditavam que as almas vinham comer o que mais gostavam. As férias grandes eram passadas numa praia lindíssima, Bilene, onde o meu pai tinha, como funcionário dos CFM, direito a uma casa mobilada mesmo junto à praia. Deliciavamo-nos naquelas águas limpidas e transparentes onde abundavam os peixes que quase agarravamos com as mãos… Mais tarde junto ao rio Incomáti os percursos a pé nas suas margens, o convívio com os pescadores, as pirogas,o simples usufruir de uma paisagem paradisíaca! No quintal os cajueiros, a cana-de-açucar, as abacateiras, bananeiras, goiabeiras, serviam de repasto para repor as energias gastas por tantas andanças... O pôr-do-sol... Um dia, ainda garota, vi na estação dos Caminhos-de-Ferro, filas de negros com ferros a prendê-los uns aos outros pelos pés, aspecto miserável, olhares perdidos... perguntei porquê! Bandidos, responderam-me. Ficou a curiosidade de saber mais e largos anos depois a felicidade da Revolução dos Cravos!
Natália André
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