terça-feira, 25 de agosto de 2009

"Lugares-Comuns" crónica de Nuno Lobo Antunes Pintura de Paul N Grech (Cuba)

• Atrevo-me a transcrever a crónica "Lugares comuns" de Nuno Lobo Antunes por quem nutro grande admiração.
"Detesto lugares-comuns. São uma espécie de outlets da inteligência onde, por preços muito baratos, se compram imitações do pensamento.
Exemplo 1:« Portugal - País Pequeno e Periférico». Dou de barato o pequeno, embora, por razões de que todos suspeitarão, seja adepto fervoroso de que o tamanho não importa. Quanto a periférico...onde fica a cabeceira numa mesa redonda? É o Japão «central»? (ou os EUA, ou a Índia, ou a China). As cidades principais dos EUA não ficam no centro do seu território, antes na «periferia» do mesmo,i.e. na costa Ocidental e Oriental. Que ninguém diga que eu vivo longe porque, na verdade, estou perto do meu vizinho, e se alguma vez a minha casa se tornar relevante, o centro passará por onde eu moro. Faz-me lembrar um amigo americano, que quando, um estranho o interrogava na rua sobre como ir a determinado local, respondia, circunspecto, com ar de perfeita convicção: « Onde fica a cabeceira de uma mesa redonda?»
Exemplo 2 : « Não há fumo sem fogo». Este é o lugar comum que mais me indigna. É o princípio da presunção da inocência, substituído pela presunção da culpabilidade. É bom que se diga bem alto: há, (muitas vezes), fumo sem fogo, sobretudo quando grassa a calúnia, a inveja e a mediocridade.
Exemplo 3: « Duas cabeças pensam melhor que uma ». É falso, notoriamente falso. Quando duas cabeças se juntam, há uma que pensa melhor que a outra, (embora , por vezes, se possam complementar). Quando Einstein emigrou para os EUA foi editado na Alemanha um livro intitulado « Cem cientistas contra Einstein». Resposta do visado: « porquê cem? Se estou errado, bastava um!» ou, como dizia o General Paton ao seu Estado-Maior: « se nesta sala todos pensam como eu, então, alguém não está a pensar!». Ah, se a verdade fosse como uma carroça, que mais depressa andasse, quanto mais burros a puxassem...
Depois, há expressões portuguesas que são de um provincanismo confrangedor:
Exemplo1 : «Lá fora...»(faz-se, diz-se, referindo-se ao estrangeiro).Estamos a ver os ingleses a exclamarem outside, ou os franceses dehors, quando pretendem referir-se a outros países. Oliveira Salazar, não deve ter sido estranho a estas alfândegas da mente. Bem dizia o meu tio. Pedro Almeida Lima, quando respondia: «Lá fora....País que nunca visitei!»
Exemplo 2: «Vem nos livros...» Mas quais livros Deus meu! Escritos por quem? Mas será que as pessoas não percebem que a autoridade de um livro é apenas de quem o escreveu, naturalmente uma pessoa que, como qualquer outra, tem os seus «bias», erros, enviesamentos? (uma variante muito utilizada pelos médicos é: «Eles» dizem). Em oposição, o reitor de Harvard, no discurso de encerramento do curso de Medicina começou da seguinte forma: « metade do que vos ensinámos é mentira... não sei qual é essa metade!»
Exemplo 3: «Ele(a) tem muita experiência...» lembro-me sempre de meu Pai, que gostava de citar Pascal: « Experiência não é o que nos acontece, mas o que fazemos com o que nos acontece...»
para acrescentar da sua própria lavra:«olha o burro, toda a vida à volta da nora... pergunte-lhe o que é uma circunferência!»
Exemplo 4: «É o País que temos...» habitualmente acompanhado de um movimento de ombros e sobrancelhas que parece querer dizer: nada a fazer, país de idiotas, incúria de irresponsáveis. Este é um País de suplentes, em que poucos parecem querer entrar no campo, e os que ficam sentados, não reconhecem que é a sua equipa que está a perder. Como gostaria de ouvir alguém responder: Este é o País que somos!
Exemplo 5: «Da maneira que falaste, perdeste a razão!», Não, idiotas, não a perdi, (se a tinha), porque se a razão me assiste, bem posso ser malcriado, arrogante, snob, insuportável, desprezível ou cplérico, que mantenho como minha a coerência do argumento, independentemente dos decibéis com que a expresso.
Num jantar, ouvi uma vez esta tirada, bem digna de um certo personagem queirosiano.« Portugal,(pausa), é um País que não estimula o raciocínio!». Como tem razão, meu caro Conselheiro."

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